Devaneios Interpretativos: [ I ] O Mago (Le Bateleur)

Le Bateleur é o Mágico, o Prestidigitador, o Malabarista, o Artista de Rua. Às vezes, um Trambiqueiro. Sujeito da plebe, ganha seu pão entretendo a audiência. Confunde, desvia, manipula a atenção dos transeuntes para realizar seus truques. Carismático, astuto, autodidata, rápido no improviso, talentoso. Sujeito extrovertido, vive nas ruas em meio a multidão. Não tem vergonha de se expor - precisa se expor. Mas, repito: o Arcano I é o Mágico, e não o Mago. 

Em sua mesa podemos ver suas ferramentas de ofício: copos, bolinhas, dados, faca, bolsas, moedas. Suas mãos ligeiras manipulam com destreza os Quatro Elementos, que também são as Quatro Funções que a Alma possui para acessar o mundo: sentimento, pensamento, percepção e intuição. Porém, tal manejo tem como objetivo entreter, conseguir algum dinheiro e mesmerizar. Um grande potencial ainda subutilizado, visto que está canalizado para as superficialidades do dia a dia... Como faria uma criança, se a ela fossem dados objetos cujo uso pleno exige maior reflexão, aprofundamento e maturidade.

O  [ I ], seu número, apoia a ideia do Mago-Criança. O potencial pleno da consciência do Louco agora ganha forma através dos quatro elementos e funções psíquicas, mas sua ação no mundo ainda é pautada no improviso, entretenimento, busca por atenção e aprovação do exterior.

Mas o Mago desviou minha atenção. Volto a olhar para sua mesa. Esta parece continuar para além dos limites da carta: o quarto pé não aparece, nem a outra extremidade do tampo. Que outros objetos podem estar ocultos? O Mago não sabe, pois seu olhar está voltado para a direção oposta, para trás, para o ontem. Imagino que tal conjunto simbólico informe que o Mago ainda tem muito o que aprender, descobrir, desde que olhe para frente e siga adiante. Crianças precisam desapegar da energia livre da infância para que se desenvolvam.

Em suas mãos, uma moeda abaixo, uma baqueta acima. De acordo com Jorodowsky, ambos são elementos telúricos: matéria/sensorialidade e criatividade/desejo/inspiração. E assim trabalha o Mago, com toda naturalidade e imaginação, sagacidade e pragmatismo. A maneira como segura tais instrumentos, no entanto, já nos mostra seu potencial para solver e coagular, para operar o fluxo do agente mágico entre micro e macrocosmo.

Sua baqueta, aliás, é muito semelhante aquela portada pela mulher no centro do [ XXII ] Mundo, inclusive na mesma mão. A mulher tem o olhar e a expressão facial muito semelhantes às do Mago. Seriam a mesma pessoa? O início e a conclusão da jornada, da ROTA-TARO? No chão, sob a mesa, entre as pernas do Mago, há uma estranha planta, diferente das demais, com um formato que se assemelha a uma vagina. O Mago, sendo o Mágico, poderia estar enganando a plateia inclusive no que diz respeito ao seu gênero... 

E aqui não sejamos concretistas. Gênero como símbolo. Yin e Yang. Como havia dito antes, solver e coagular. A fluidez com que pode alterar a expressão do seu gênero é um reflexo, um eco, de sua aliança com Hermes-Mercúrio, patrono da Alquimia: o mercúrio é um metal líquido na temperatura ambiente, é rápido, escorregadio, assume qualquer forma, escapa quando tentamos agarrá-lo e sua superfície é reflexiva.

Para o Mago se desenvolver, para não ser apenas um mágico, precisa dar outro uso para suas ferramentas e habilidades. O que ele faria com elas caso não precisasse se preocupar com sua subsistência, caso não houvesse uma audiência, caso o interesse pelo mundano se perdesse? Para obter tal resposta, o Mago precisa se isolar de seu estilo de vida, da rua e das multidões. Precisa desacelerar. Precisa, enfim, de introspecção. Em busca de tal reclusão para refletir, o Mago é levado à [ II ] Papisa.

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