O senso comum (e infelizmente alguns profissionais da área da psicologia e psicanálise) tem certa dificuldade em compreender a ideia de Inconsciente Coletivo, pois as informações que chegam até ele sobre tal conceito muitas vezes é distorcida e muito distante do que realmente procura expressar. De maneira geral, costumo perceber que o Inconsciente Coletivo é tratado de forma leiga como se fosse uma espécie de “nuvem de dados” comum à toda humanidade; espécie de google drive da nossa espécie. Esta compreensão errônea aproxima o Inconsciente Coletivo de uma ideia esotérica conhecida como “registro akáshico”, algo como um depósito da memória coletiva humana que pode ser acessado através de determinadas técnicas. A realidade do conceito está muito longe disso.
Vamos por partes. “Inconsciente” designa tudo aquilo que não é conhecido - tudo aquilo que não é consciente. No caso do inconsciente pessoal, portanto, o que está em pauta são todos os conteúdos psíquicos que fazem parte da vida e experiência pessoal de um sujeito, mas que por uma série de fatores não alcançam a consciência e assim não são conhecidos. “Coletivo” diz respeito a tudo que é compartilhado, tudo que existe em comum entre todos os seres humanos, e existe a priori da existência e experiência individual. E, para Jung, o que toda a humanidade compartilha em comum é a biologia, a identidade orgânica que faz um homo sapiens ser um homo sapiens. O autor entende que, embora as características físicas e mentais, as experiências, sentimentos e pensamentos de cada ser humano seja única, singular, todos compartilham do mesmo substrato biológico... E, portanto, das mesmas bases instintivas.
O Inconsciente Coletivo, este Desconhecido Comum a Toda Humanidade, é formado por matrizes instintivas que organizam, que dão forma, a todos os modos de agir, reagir, perceber, afetar-se e produzir imagens a respeito de toda experiência tipicamente e inevitavelmente comuns a toda humanidade: morte, nascimento, amadurecimento, velhice, sofrimento, produção de conhecimento, maternidade, infância etc. Jung irá chamar essas matrizes de Arquétipos. Logo, o Inconsciente Coletivo é formado pelos Arquétipos.
Arquétipos, nos dirá Jung, são a “psiquificação dos instintos”. Os instintos são produtos da dinâmica entre biologia e meio ambiente. São determinantes do comportamento. Não são fatos psíquicos em sua pureza. Mas, tão logo atingem a “fronteira” entre o orgânico e o psíquico, os instintos se tornam arquétipos. Estes são como formas sem conteúdo, pois o conteúdo que terão - que imagem irão gerar ao entrar no campo da consciência - será dado pelos elementos disponíveis na cultura na qual o indivíduo está inserido. Tais manifestações, portanto, jamais são os arquétipos em si; são as imagens arquetípicas. Assim, é errôneo falar, por exemplo, em “arquétipo de Deméter”. Deméter é uma imagem arquetípica derivada de elementos culturais fornecidos por dado contexto cultural existente na Grécia Antiga. O arquétipo não é Deméter, e sim a maternidade. Maternidade, percebam, é substantivo abstrato: não tem representação em si.
Ficou claro, ou menos confuso, o que é o Inconsciente Coletivo? Perceberam como não envolve necessariamente nenhuma formulação esotérica?