Mas o que é um "louco" para um sujeito do século XVI, momento histórico apontado como possível origem do tarô? Lembremos da história da loucura: o louco era qualquer um inadequado aos olhos da sociedade. Isto incluía loucos, pobres, estrangeiros, andarilhos... Todos estes eram tratados como portadores da des-razão. O Louco é o proscrito. O errante. O vagabundo.
O Louco não tem numeração; hoje, o Louco não teria um CPF. Por quê? Por ser proscrito? Ou por ser um pioneiro? Por anteceder a criação dos números, da contagem, da linearidade do tempo? Talvez todas as proposições. Tais ideias compartilham de uma imagem central: o Louco está fora de, fora da, fora do. Está fora de sua razão, fora da sociedade, fora do tempo.
A ausência de número, a lacuna vazia, é convidativa. Nos instiga a preenche-la. Assim, o Louco pode receber qualquer número, ocupar qualquer posição na sequência, tornar-se qualquer personagem. O Louco como o coringa. Seus trajes de maltrapilho são também trajes de bufão. É um artista, um ator. Pode personificar qualquer um, interpretar qualquer papel.
A trouxa na ponta de um de seus bastões - tem dois - pode conter seus disfarces. Pode, assim como a lacuna numérica, conter qualquer coisa. O Louco como bufão tem lugar entre a realeza, apesar de plebeu. O Louco está de fora, mas pode adentrar qualquer ambiente, caso queira. O bufão é o único que pode fazer troça do rei impunemente, e nesse sentido ser superior ao monarca. É e não é subalterno aos leis e normas estabelecidas.
O Louco olha para frente. É Louco, mas não é tolo: caminha com o bastão para bater o terreno. Talvez o Louco não olhe para trás porque não há nada antes dele, pois é precursor, e o que está fora.
O Louco é o bigbang.
Há um animal, cachorro ou gato (um "gachorro" - coisa de louco!), saltando ou agarrando suas pernas, ou instigando a caminhada. A metade final do animal não aparece na carta. De certa forma, o gachorro antecede o Louco, especialmente esta metade que não é visível: rabo, ânus, genitais. Talvez seja um indicativo de que o Louco é a primeira fagulha da consciência, que contém todo o potencial da alma humana, ainda não formatada e limitada pelas normas sociais. Antes do Louco, há apenas instinto.
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